Recorte Múltiplo

Recorte Múltiplo

exposição em parceria com a Dan Galeria

O fenômeno da relação obra-espectador é essencialmente íntimo, extraordinário e avassalador. Consideremos a aura que possui uma obra de arte: ela nasce a partir da unicidade numeral ou pela essência inerente ao seu objeto? Quando uma mesma obra é exposta em espaços, tempos e ocasiões diferentes, cria-se e multiplica-se infinitas, repetidamente íntimas e únicas relações. Nesse sentido, ao considerarmos a possibilidade múltipla de seu deslocamento e presença, pensamos na aura que constitui uma obra em formato de edição. Instaurada em cada uma de suas peças, sua aura não se fragmenta como em um quebra-cabeça, pois uma edição para ser apreciada não necessita de suas partes unidas, justamente o oposto: cria a possibilidade de ocupar além de um único espaço em um único tempo a partir de sua multiplicidade.

Estão reunidas nesta exposição, com curadoria de Claudia Marchetti - que vem, desde 2002, pesquisando e difundindo no Brasil obras em formato de edição de prestigiados artistas da escola britânica - obras em tiragem limitada produzidas na cidade de Londres. Recorte Múltiplo revisita a mostra Paper Democracy exibida em 2004, que reuniu pela primeira vez em solo brasileiro obras dos artistas apresentados nesta exposição.

Gary Hume nos apresenta a abstração da figura humana em traços soltos e fluidos, enquanto Julian Opie sintetiza imagens em linhas precisas, elementos também presentes nas obras de Michael Craig-Martin e Patrick Calfield, ambos conceituados artistas e professores que influenciaram a pesquisa de Opie. Craig-Martin projeta o olhar semiótico através da relação imagem-objeto ao manter o mínimo de elementos necessários para se identificar uma imagem representativa de objetos ordinários. O eterno e a finitude se encontram em constante atrito com o gênero Vanitas no motivo de flores presente na obra de Marc Quinn, flores portadoras de uma promessa de eternidade e beleza permanente a partir de seu congelamento, e no princípio memento mori que se repete na obra Skull Exploded, de Damien Hirst, onde um crânio real, expandido, é reproduzido em material nobre, deflagrando o impulso questionador do artista. Nos instiga o sopro fantasmagórico que permeia os trabalhos de Rachel Whiteread e Catherine Yass: imagens de espaços imagéticos que se formam a partir da manipulação de materiais fotográficos, e as esculturas de Whiteread, vencedora do Turner Prize, resultantes do preenchimento do molde - espaço negativo - de um objeto transformado-se em sua memória material. A mostra

Recorte Múltiplo é um convite para experimentar as possibilidades da expansão efervescente desse grupo de artistas a partir de suas obras em formato de edição limitada que cumprem o papel fundamental de possibilitar ampliação de acesso a uma obra arte.

Marília Borges