Mila Mayer | 2015
Detalhe / Mila Mayer, nantucket boats, c-print em metacrilato, 2014
Entre Dois Mundos
O olhar incansável de uma viajante
“Fotografia é, antes de tudo, um modo dever. Não é a visão em si mesma.” Susan Sontag
Desde o seu surgimento, no século XVIII, até o dias de hoje, a fotografia tomou rumos jamais imaginados. Trezentos anos depois, praticamente todo mundo tem algum tipo de câmera fotográfica. Geradas em máquinas sofisticadas ou em simples celulares, as inúmeras imagens registradas em todos os pontos do planeta circulam através das mídias sociais, invadindo nosso dia a dia. Tudo é fotografado e compartilhado rapidamente.
A experiência do verdadeiro fotógrafo, entretanto, é algo completamente diferente. Ela necessita de um olhar cuidadoso, curioso e, acima de tudo, precisa de tempo. São esses fatores, aliados ao “modo de ver” ao qual Sontag se refere, que tornam uma imagem captada por um artista/fotógrafo diferente das inúmeras outras. É o que acontece com as fotografias de Mila Mayer.
Mila ganhou uma maquina fotográfica de seu pai quando era jovem, e embora tenha seguido carreira na área econômica, redescobriu a fotografia mais tarde, por acaso e de maneira despretensiosa, registrando os lugares que frequentava ou visitava. Fez um curso na Escola Panamericana em 2005, e em 2010 cursou na Perfect Picture School of Photography. Envolveu-se de tal maneira com isso que abandonou a carreira na área de economia e passou a dedicar-se à fotografia. Atualmente viaja para fotografar, o que é muito diferente de fotografar viagens...
Seu incessante e obsessivo registro de lugares do seu cotidiano e ao redor do mundo levou-a a carreira de fotógrafa, que hoje segue com afinco e dedicação, realizando registros fotográficos escolhidos cautelosamente. Reflexos na água ou em fachadas de edifícios, texturas de tecidos e paredes resultam em fotografias quase abstratas, que se revelam em composições nas quais a luz e a cor atraem nosso olhar e nos instigam.
É notável a existência de formas modulares em suas fotos, além de um certo rigor na composição, o que aproximaria seu trabalho à produção de alguns fotógrafos modernos brasileiros, como Geraldo de Barros, por exemplo, com cuja obra conviveu não apenas no Brasil, como também durante sua residência em Genebra, onde Barros é bastante conhecido. Mila acredita que esse olhar construtivo se origina em sua ascendência alemã. Entretanto, ele também traz uma herança construtiva através de seu convívio com obras de diversos artistas brasileiros, quer seja nas exposições que visita com frequência, quer em meio à coleção de sua família.
À herança construtiva, tão presente na arte contemporânea brasileira, Mila alia um humor muito peculiar, rompendo com o rigor das formas. Ele se mostra na árvore que discretamente rompe as janelas modulares de um edifício; no pequeno edifício de formas desajeitadas que interrompe as elegantescurvas do Copan; no nó de pano sujo esquecido na janela; nos reflexos que nos enganam; nos tecidos que flutuam no ar formando campos de cor como numa pintura. Essa combinação de rigor e leveza, austeridade e humor insere o trabalho de Mila no que Tadeu Chiarelli chama de “arte internacional brasileira”, ou seja, uma produção internacional com uma marca nacional.
A determinação e a alegria de viver, caraterísticos da personalidade desta inquieta fotógrafa, permeiam sua obra: estão nas cores, nas formas sensualmente refletidas na água, na delicada trama dos tecidos e na descoberta de pequenos detalhes do cotidiano, registrados cuidadosa e incansavelmente.
Rejane Cintrão
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29 de maio a 26 de junho de 2015